sexta-feira, novembro 17

Mães sinceras

Mas quem é que disse que era tudo cor de rosa? Quem é que ainda acredita no Pai Natal? Quem é que disse que íamos ser felizes para sempre? Quem é que disse que era tudo um mar de rosas? Quem é que disse que a vida é uma vitória diária? Que somos super-mulheres, e conjugamos na perfeição a família com a carreira, e mais a casa e o raio das tarefas domésticas que nem robots de última geração? E quem é que acha que a imagem da Mulher Ideal é aquela que tem uma carreira brilhante, uma casa impecável, um marido trabalhador e um rebanho de filhos adoráveis e prestáveis?

Mas afinal a vida é um filme ou é o quê?

Não, minhas amigas, até podem ser sempre sinceras mas acho que vai para aí uma grande confusão. A maternidade só é um sonho idílico antes de o ser, ou seja, até ao momento em que nos nasce o primeiro filho. Todas as mães de carne e osso já sabem, há muito tempo, que ser mãe também é uma chatice e que os filhos são insuportáveis e detestáveis tão depressa quanto são adoráveis e amáveis (se calhar até mais vezes), que as putas das noites sem dormir nos arrasam a saúde, a paciência e a juventude, que o nascimento do primeiro filho nos põe a cabeça de pernas para o ar, que estar em casa sozinha a cuidar de uma criança nos deixa à beira da inanição social, que os programas infantis vistos e ouvidos a toda a hora nos chocalham os poucos neurónios que ainda temos sãos. Todas as mães já sabem isto há muito tempo, e se vocês ainda não tinham ouvido tais coisas, é porque têm andado distraídas.

Por outro lado, dizer que "a fórmula ambiciosa de maternidade que a maioria de nós gostaria de exercer é virtualmente incompatível com qualquer forma de trabalho, de vida social - e de vida, como um todo" só é verdade se a dita fórmula for completamente irrealista, perfeccionista e aberrante. Claro que todas as mães têm a mania da perfeição, mas ajustar as expectativas demasiado grandiosas à realidade é um exercício que nos faz crescer. Aceitar os nossos limites e trazer a nossa humanidade para a maternidade é, isso sim, o sinal de que a vida é aquilo que fazemos com ela, o resultado das nossas opções conscientes e coerentes connosco próprios. Ter filhos não pode nunca, quanto a mim, ser considerado algo incompatível com a vida, seja lá porque motivo for.

"Elevamos a criação de filhos a um grau de dificuldade sem precedentes. Até os anos 50, mães não sentiam culpa em deixar o bebê chorar. Iam cuidar da casa, e o bebê que parasse de chorar sozinho. Hoje, isso é inaceitável. As crianças mandam, e isso dificulta tudo." Será que as crianças mandam? Decerto haverá casos que sim. A educação é uma tarefa difícil e uma das maiores dificuldades da nossa época é precisamente a imposição de limites e o exercício da autoridade parental. Se as crianças mandam, é porque os pais deixam. Os pais não se podem demitir da sua tarefa educativa. Muito daquilo que as crianças são e fazem é o reflexo dessa mesma tarefa educativa. E vamos parar com essa treta da culpa! Todos os pais sentem culpa, ao longo da educação dos filhos, e ainda bem! É sinal de que são humanos e de que erram e de que têm noção disso! Ou então é sinal de que têm expectativas demasiado irrealistas, o que aí sim, pode ser um problema. Mas a culpa não faz mal a ninguém, até pode ajudar a desenvolver alguma humildade. Deixar-se dominar por sentimentos de culpa desadequados, de forma a que isso nos impeça de errar saudavelmente, é que não é bom.

Às vezes parece que nos esquecemos que também já fomos filhos, ou melhor, que ainda somos filhos. A relação com os pais durante a infância é um dos pilares mais importantes da pessoa humana. Todos sabemos isso, hoje em dia. Sabemos também que a relação mãe-bebé é de extrema importância para o desenvolvimento da personalidade, e que os primeiros anos de vida, principalmente os primeiros meses, são periodos de desenvolvimento crucial, onde ocorrem etapas importantíssimas que não se repetirão jamais. Sabemos hoje tudo isto, mas nem sempre soubémos. O conhecimento nesta área tem tido um progresso extraordinário. No passado, antes da Revolução Industrial, as mães não criava os seus filhos. As crianças eram entregues a amas de leite e algumas abandonadas em conventos para serem criados por freiras. O panorama hoje é radicalmente diferente, e ainda bem, digo eu, e acho que vocês também. Ainda bem que o conhecimento nesta área é hoje tão vasto. Ainda bem que estamos cada vez mais cientes das necessidades das crianças, bebés e recém-nascidos. Afinal, vivemos numa época em que gritar pelos Direitos das Crianças e insurgir-se contra abusos e maus tratos são palavras de ordem, mas facilmente esquecemos que esses direitos começam nas nossas famílias, nas nossas vidinhas, no nosso dia-a-dia.

Somos todas humanas (as mães), não somos super-mulheres, erramos, tropeçamos, gritamos, sufocamos, às vezes parece que não aguentamos. Isso faz parte da vida de todos nós, mães e não mães, pais e não pais. Mas os nossos erros não podem servir de desculpa para que a negligência parental fique impune e seja socialmente aceite como mais uma faceta desta nossa suposta humanidade. Erramos, sim, mas os erros só são úteis quando nos fazem aprender alguma coisa, que é o mesmo que dizer que estamos conscientes de que errámos. A esta consciência segue-se a culpa. A culpa não é nossa inimiga, não senhor. A culpa faz-nos ser seres humanos mais responsáveis. Porque o somos, e é bom que não o esqueçamos. Responsáveis pelo bem estar dos nossos filhos.