quarta-feira, abril 4

Tristeza e depressão pós-parto


Adorei o artigo do prof. Mário Cordeiro, na Pais & Filhos de Abril, sobre depressão pós-parto. Além de recomendar vivamente a sua leitura, ficou-me a vontade de escrever e conversar sobre o assunto.


A tristeza e o choro são, de facto, dos sentimentos mais incómodos e menos desejados, principalmente naquelas alturas da vida em que é suposto estarmos felizes e contentes. Mas só quem vive completamente distanciado das suas emoções é que não entende que não há momentos apenas bons nem momentos apenas maus. Aliás, os chamados momentos de transição, no ciclo de vida, estão estudados por muitos teóricos do desenvolvimento como momentos de altos níveis de stress, em que ocorrem mudanças radicais, quer a nível dos papéis sociais, quer a nível emocional, mudanças que abanam as estruturas individuais e que são capazes de provocar terramotos, exigindo de cada indivíduo um esforço grande de adaptação. Ora o nascimento do primeiro filho está incluído nestes momentos.


Todas nós, as que já passámos por isso, sabemos bem como as emoções ficam à flor da pele, como nos sentimos especialmente fragilizadas, tanto física como emocionalmente, como podemos desatar a chorar logo a seguir a estarmos a rir. E não vale a pena pensarmos que é um disparate estarmos tristes, quando devíamos era estar alegres e felizes, porque o nosso coração é bem mais inteligente do que às vezes a nossa cabeça consegue ser. Ter vontade de chorar é perfeitamente normal, sim. Chorar a seguir a acontecimentos que noutras circunstâncias não provocariam o choro também. E os ataques de tristeza incontroláveis que nos envergonham se estamos com outras pessoas, não deviam envergonhar-nos.


Não é só a gravidez que acaba, quando o bebé nasce. Ou melhor, é a gravidez, e tudo o que ela representa. A gravidez é uma ilusão, uma morada de sonho, de onde vamos lançando pontes de contacto entre nós e o bebé. O bebé da gravidez é o bebé sonhado e fantasiado, o bebé que se espera, o bebé que se anseia, o bebé a quem não se conhece o rosto nem o choro nem os olhos. É o bebé imaginário. E é neste imaginário, neste reino fantástico do que ainda não aconteceu (e por isso o que pode ser tudo) que habita a gravidez.


O nascimento do bebé traz vários lutos: o da barriga (da presença física de algo que é nosso, que faz parte de nós, do nosso corpo), do bebé imaginado (por mais perfeito e desejado que seja o nosso filho, não é nunca o bebé que imaginámos. Esta distinção é mais fácil de entender nos casos em que o bebé sofre de alguma anomalia, mas mesmo quando não é o caso, existe sempre), da gravidez e de tudo o que ela representa (a sensação de estar grávida, de transportar a vida, de estar cheia, o estatudo de grávida e todos os mimos de que as grávidas são alvo, que de repente passam para o bebé - no fundo durante a gravidez há uma confusão de identidades entre a mãe e o bebé - a mãe transporta o bebé e o bebé faz parte dela, é ela, está no corpo dela).


E claro que depois de o bebé nascer a questão da identidade ainda se complica mais, ou melhor, manifesta-se em força: na verdade, não foi só um bebé que nasceu, foi também uma mãe (e um pai, claro, mas estamos só a tratar da questão materna, a questão paterna fica para outro post! :P) Ora o nascimento da mãe não é tarefa fácil. A identidade da pessoa sofre uma transformação profunda. Já não somos o que éramos, nunca mais seremos o que éramos antes deles nascerem (e isso é outro luto que temos de fazer: o da pessoa que éramos antes de ser mães). Mas também ainda não sabemos quem somos nem no que nos estamos a tornar, estamos perdidas, baralhadas, confusas, principalmente se se trata do primeiro filho. Temos medo, temos receio, de tudo, de não sermos capazes, de falhar, de não aguentar, sei lá! No fundo é como quando estamos perante algo desconhecido, em qualquer etapa da vida.


Com isto tudo, fica difícil é não encontrar motivos para chorar ;)


Logicamente que aqui, como em tudo, há episódios de tristeza perfeitamente normal, mas também há estados depressivos que se podem impor de forma mais ou menos sistemática e que podem exigir a intervenção de um profissional. Mas mesmo nesses casos não devemos fugir ao que sentimos. E se procurarmos ajuda encontraremos oportunidade de falar de todos estes medos e angústias, e de explorar toda esta problemática e as dificuldades que estamos a sentir, o que, com toda a certeza, nos vai aliviar o fardo. A pior coisa que se pode fazer é fazer disto um bicho de sete cabeças, não procurar ajuda, esconder as lágrimas a todo o custo e secar os olhos à pressa quando alguém se aproxima.


Não tenham medo de chorar, mamãs: é o melhor remédio conhecido para a tristeza. E se alguém vos disser que tristeza não combina com a felicidade de ter um filho, não lhe dêem ouvidos. Dêem ouvidos ao vosso coração.