sábado, outubro 7

Informação a mais?


Li na Pais & Filhos deste mês um artigo sobre o "pediatra mais famoso de Nova York" do momento, Michel Cohen, cujo lema é «laisser faire», o que, por outras palavras pode ser resumido assim: "Pais, confiem mais nos vossos instintos e não leiam tantos livros!"

Este pediatra contesta a actual prática da intervenção médica: segundo ele, há medicação e intervenção a mais. Vivemos na era da informação, cada vez a ciência avança mais e novas descobertas acerca dos bebés e dos recém nascidos invadem a mente de pais e não-pais. Não querendo contestar a importância da investigação científica, fica a questão: será que o acesso a tanta informação não pode ser mais prejudicial do que se imagina?
Na opinião deste jovem médico, todos os pais têm a capacidade de cuidar do seu filho. É, por vezes, a preocupação e o excesso de informação que acabam por fazer com que percam essa capacidade intuitiva. Por isso aconselha os pais a não pensarem muito no assunto, e a não lerem livros acerca do desenvolvimento das crianças, mas sim a guiarem-se mais pelo seu instinto. O objectivo do seu livro, "The New Basics: A-to-Z Baby & Child Care For The Modern Parent" é acima de tudo tranquilizar e retirar a ansiedade aos pais, para que estes possam exercer a sua parentalidade sem precisar de recorrer a livros.
Já alguém tinha aqui deixado a sugestão de conversarmos sobre este tema, o da informação e dos eventuais "perigos" de um excesso de informação, e parece-me uma boa altura para o fazer. Porque, de facto, concordo em absoluto com este pediatra. Penso que hoje em dia os pais têm informação a mais, e muitas vezes esse excesso pode comprometer a sua capacidade de exercer a parentalidade com tranquilidade e segurança.
Mas atenção: não é a existência de informação que provoca este problema. A questão deve ser posta ao contrário: é a insegurança extrema dos pais e dos futuros pais que os faz cair nesta procura angustiada de informação, que por sua vez cria as condições propícias para que a informação se torne disponível e acessível. Se os livros para pais sobre o desenvolvimento infantil fazem tanto sucesso, é porque há muitos pais a lê-los e a comprá-los. A pergunta que devemos fazer é: porque é que estão os pais tão inseguros do seu papel, de tal forma que precisam de consumir informação em excesso?
A informação tem um papel muito importante. Tudo depende da forma como é usada. No último século fizeram-se descobertas importantíssimas sobre os bebés e a sua relação com o mundo. Nunca houve antes na nossa história uma aceleração tão grande em relação ao acumular de conhecimentos nas áreas da infância e mesmo da vida intra-uterina. Hoje em dia dispomos de uma gama de informação nova nesta área, incomparável com o conhecimento de outras épocas.
Dizer que a existência deste progresso no conhecimento não é positivo é um sinal de estupidez, quanto a mim. Mas a questão não é esta, e nem é isso que o Dr. Michel Cohen diz. A questão é, antes de mais, de que maneira é que essa informação vai chegar aos pais, como é que estes a vão utilizar, o que é que vão fazer com ela, que papel é que ela vai desempenhar na sua vida e na relação com o seu bebé.
Eu, por exemplo, gosto de ler livros sobre desenvolvimento infantil, porque me interesso bastante pelo assunto. E mentiria se dissesse que certas leituras não me ajudaram a esclarecer certo e determinado ponto, na minha experiência da maternidade. Muitas vezes os livros ajudaram-me, sim! E de outras vezes, também li coisas com que não concordei e que rejeitei, e não adaptei à minha experiência. Mas isto é como em tudo na vida: a nossa experiência vai-se alargando e enriquecendo com o contacto com outras opiniões, teorias, práticas... é como as conversas que temos com outras pessoas, outros pais e outras mães: há coisas que nos iluminam, há outras que não lançam raíz e que entram por um ouvido e saem por outro.
Eu não acho que o problema esteja em ler livros, mas antes na maneira como se os lê. É a tal insegurança de que falava há pouco. Porque se um pai ou uma mãe deposita no livro a esperança de, através dele, aprender a ser pai ou mãe, é melhor que nem o abra. Se por outro lado, apenas está interessado em auscultar pontos de vista sobre determinado assunto, recolher alguma informação nova, filtrando-a com a sua experiência, então talvez essa informação venha a revelar-se útil.
O problema da nossa era é que as pessoas acreditam cada vez menos em si próprias e nas suas capacidades. E isto acontece muito mais nas pessoas com uma grau de escolaridade elevado, que são precisamente as mesmas que procuram nos livros as respostas para as suas dúvidas e angústias. Aquilo que vem nos livros são apenas teorias, e teorias não dão resposta a nada, apenas lançam mais perguntas. As respostas vêm da vida e da prática, da aprendizagem que sempre se processa por tentativa e erro.
É por isso que acho a mensagem deste pediatra tão pertinente: porque, de facto, vivemos numa época de excesso de procura de informação, de excesso de racionalização. As pessoas têm uma dificuldade extrema em lidar com as emoções, e a tentativa de racionalizar que se procura nos livros e nas teorias é sinal disso mesmo. Nós não somos pais com a cabeça mas com o coração. Como em tanta coisa na vida, a racionalização excessiva atrapalha aquilo que o coração já sabe de cor, há muitos séculos.
É preciso parar com este excesso, sim; parar e olhar para dentro. É dentro de nós que devemos procurar as respostas para as nossas angústias. Não há livro nenhum no mundo que nos ensine como amar e cuidar do nosso filho. O melhor professor nessa matéria vai ser ele mesmo, o nosso bebé. Mas para aprendermos a lição precisamos de estar abertos e em sintonia com ele, para apreendermos o significado das suas mensagens e da sua linguagem. Parece complicado, mas no fundo é muito simples, porque a linguagem que o nosso bebé "fala" é a mesma que nós um dia também já "falámos", há muito tempo, quando éramos bebés como ele. Basta reencontrá-la, dentro de nós, porque ela está lá; esquecida, mas está lá. E nesta viagem, não são as palavras que nos guiam, mas os sentidos. E quanto mais "ruído" de palavras houver à nossa volta, menos despertos estaremos para reencontrar esta linguagem primordial.

13 comentários:

LP disse...

(Ena, isto tem estado um pouco parado! E "mea culpa" que não tenho cá vindo.)

Eu li este artigo na Pais e Filhos e fiquei cheia de curiosidade em relação ao livro e às ideias desse senhor. Claro que não deixa de ser engraçado escrever-se um livro (informação) sobre o excesso de informação. Eu tenho muita tendência, como mãe mas não só, a não me encher de informação e a confiar nos meus instintos. Mas há alturas em que me sinto mais insegura, quando um deles está doente, por exemplo, em que sorvo todo o tipo de informação e mais alguma e dou comigo a fazer diagnósticos, o que me deixa muitas vezes ainda pior.

papu disse...

Quando vi que tinha aqui um comentário, pensei, aleluia! ao menos alguém com vontade de conversar! ;)

eu tb tenho essa tendência, e acho muito importante mesmo as pessoas confiarem mais nos seus instintos. Acho que vivemos inundados de informação. É preciso filtrá-la, trabalhá-la, antes de a absorver. Aliás, a informação não deve ser absorvida, antes de ser digerida. Tal e qual como os alimentos! :)

Obrigada pelo teu contributo.

Vamos lá a ver se estas comversas animam!

Alex disse...

Animam pois. Tens feito um excelente trabalho. Quase que te peço desculpa pela ausência deste "conversas" onde todos nos podemos juntar e trocar ideias.

Hoje foi a primeira coisa que fiz quando cheguei, vir ler com calma tudo o que tens feito, porque percebi ontém pelas tuas palavras que não te tenho apoiado o que podia apoiar.

Vou tentar terminar o que tenho em mãos e depois venho seguramente apoiar-te neste projecto (senão dou em maluquinha :-)





Parabéns Papu.
E quanto ao texto, numa oportunidade que escrevas sobre essas crianças especiais, podes trazê-lo, é o meu primeiro contributo.

Um beijo e continua porque tens talento para fazer deste um espaço muito especial.

Alex disse...

Apesar de ler com alguma regularidade alguns livros que aparecem no mercado, e fiquei com vontade de ler este que mencionas, confio acima de tudo no nosso instinto. Por vezes, as informações generalizadas atrapalham porque as crianças reagem de maneiras diferentes, não são estatística os comportamentos, os hábitos, os organismos de cada uma delas.

Basicamente, o instinto diz-me muito quando olho para a minha filha e percebo que alguma coisa se passa. Por vezes, nem os próprios pediatras que os acompanham, detectam o que os nossos olhos tão bem vêm.

BEIJOCAS

papu disse...

obrigada alex :)
vou publicar o teu texto assim que tiver tempo!

é o que eu também acho: a gente lê, e é importante ler, tudo depende dos olhos com que se lê :)

LP disse...

Lembrei-me de mais coisa. A primeira pergunta que o pediatra dos meus filhos faz numa consulta é?

- Como é que os sente?

papu disse...

é muito interessante essa questão, Liliana. Aliás, hoje em dia, com a pressa e a rotina ineresnte a essas situações até é uma situação completamente inovaora! Olha eu acho que a maioria dos pediatras não tem essa atitude. As consultas ficam-se pelas medições dos perímetros cefálicos e pelos comprimentos disto e daquilo e pelas pesagens e pelos cálculos dos percentis, as auscultações, o exame dos ouvidos, e eles a berrarem que nem uns desalmados (estou a referir-me aos meus, claro. é incrível mas os dois tiveram o mesmo comportamento: estranhavam o contacto físico e choravam que nem uns desalmados nas consultas...)

não estou a dizer que não sejam importantes estas medidas e estas normas de ver se está tudo bem, mas às vezes fico a pensar... por ex, as consultas aqui são completamente diferentes. Eles aqui não fazem auscultações, por ex, só quando há alguma preocupação. Lembro-me que quando fui com os meus filhos ao médico fiz essa pergunta porque fez-me confusão eles não auscultarem por rotina, como fazem aí. As consultas de desemvolvimento são muito centradas nas competências sociais e individuais: desenvolvimento da linguagem, socialização, treino do uso do bacio... são um espaço onde temos oportunidade de falar sobre alguma preocupação que sintamos em relação ao desenvolvimento deles com alguém, e em que podemos por questões. Não é um exame médico, a criança está sentada numa mesa a fazer um desenho e o técnico vai falando com ela e com a mãe e o pai. é uma abordagem diferente, sem dúvida... onde dão bastante importância a esse diálogo do sentir, que tão poucos médicos fazem... com honrosas excepções, como acabámos de ver! ;)

Kate disse...

Ainda bem que isto anda mais animado. Tenho "cá" vindo mas acho que, depois de ter lido o artigo sobre o Michel Odent e do texto da Papu, já quase tudo foi dito... Mas é sempre bom ler os vossos comentários e é por isso que continuo a cá vir!

A experiência também me diz que às vezes "atrofiamos" de saber demasiada informação mas, apesar de tudo, parece-me que valer a pena ler e saber alguma coisa relativamente a estes assuntos. No meu caso acho que tem ajudado (mas também não sou uma leitora compulsiva neste campo, vou só lendo umas coisas) e o que me parece importante é a tal capacidade de "filtragem" da informação que já alguem referiu. De facto, não deve ser simples filtrar tudo e conseguirmos pensar pela nossa própria cabeça, pois só assim se comprende que muita gente use mal a informação que tem.
Apesar de tudo isto, acho que todos os pais deveriam interessar-se por saber um pouco sobre a educação e cuidado dos seus filhos. É que não me parece que a generalidade dos pais se dê ao trabalho de saber um pouco que seja, pois só assim se compreende que comentam tamanhas asneiras relativamente, por exemplo, à alimentação ou ao estabelecimento de regras nos filhos (e digo isto porque é o que vejo às vezes - demasiadas). É claro que não deixaremos nunca de cometer alguns erros (nem é isso que se pretende!) mesmo estando informados, mas pelo menos os mais importantes serão evitados.
É claro que se pode dizer que com bom senso todos nós educaríamos correctamente os nossos filhos, mas isso às vezes não chega, pelo menos para mim. É que por vezes é difícil manter a cabeça fria ou saber, por exemplo, se fomos demasiado duros numa repreensão. Sabendo um pouco sobre estes assuntos é mais simples definirmos um rumo e tentar mantê-lo (sem exageros, diria eu).

Quanto aos pediatras, também preferia que houvesse mais como o dos filhos da Liliana ou como refere a Papu sobre o que se faz em Inglaterra. Mesmo assim não me posso queixar, porque o dos meus filhos tem por base o "descomplicómetro".

Kate disse...

Desculpem, há bocado quis dizer Michel Cohen e não Michel Odent!

papu disse...

esta coisa dos dois Michels deixa-nos baralhadas ;)

Kate, eu acho que esse "rumo" a que te referes tem de ser encontrado dentro de nós, sai-nos de dentro, por assim dizer. É precisamente isso que não podemos procurar nos livros, sob pena de nos tornarmos falsos educadores. Queres um exemplo? Imagina uma pessoa que não se sente à vontade nua na frente dos filhos. Mas, por qualquer razão, sente que em criança sofreu muito ppr ter vivido num ambiente de vergonha constante em relação às coisas do corpo, e acha que a nudez é uma coisa natural, e não quer que os filhos encarem o corpo como uma coisa vergonhosa, e blá blá blá, até já leu uns livros sobre o assunto que também defendem que as crianças devem sentir-se à vontade com os pais e que o conhecimento do corpo é positivo e por aí fora. esta pessoa vai contrariar a sua natureza, vai controlar o seu pudor, e vai deixar que os filhos a vejam nua porque acha que isso é bom para eles. O problema é que não se sente á vontade nesse papel. Acham que as crianças não vão perceber? Claro que vão! Mais ainda: vai ser pior a emenda que o soneto, porque o que as crianças vão ver não é uma pessoa que partilha a nudez do seu corpo com elas porque se sente bem com isso, mas sim uma pessoa que não se sente nada bem nua na sua frente, o que de facto pode passar para as crianças que a nudez é algo de constrangedor. Aquilo que nós sentimos é que tem de ser o barómetro, não as ideias que temos na cabeça. Aquilo que nós fazemos tem muito mais peso do que aquilo que dizemos. lembro-me de uma frase que ouvi num encontro, há uns anos atrás: AQUILO QUE VOCÊ FAZ FALA MAIS ALTO QUE AQUILO QUE VOCÊ DIZ.

É como aqueles pais que pensam: agora tenho de me zangar... não! Ningu+em tem de se zangar, a zanga sai-nos disparada pela voz e pelas mãos! E às vezes até com intensidade demasiado elevada! mas é assim que a sentimos cá dentro, e tem que sair. as crianças aceitam melhor uma reprimenda ou mesmo uma palmada que seja dada em consonância com o estado de humor dos pais. Muto melhor do que um castigo calculado friamente e sem afectividade, apenas com o objectivo de punir um mau comportamento, porque tem de ser, porque é assim que se combatem os maus comportamentos, porque sim. as racionalizações são uma armadilha quando se lida com as crianças, que são seres completamente ligados às suas emoções. é com as emoções que temos de lidar com elas. "Amor com akor se paga, emoção com emoção se paga".

é claro que percebo o que queres dizer, as leituras de facto são importantes, como já todas referimos. Mas as leituras referem-se à tal parte racional. A parte afectiva raramente é influenciada por uma leitura, tem outras origens, muito mais arcaicas, e muitas vezes é determinada por coisas que nos passam ao lado, que já esquecemos, que estão completamente inconscientes. É a tal linguagem que os bebés falam, que tabém já falámos, e que temos de reaprender :)

papu disse...

credo, tantos erros... enfim, acho que já aprendemos a ler este novo código de teclar à pressão ;)

Kate disse...

Papu, o exemplo da nudez é bastante ilustrativo. Ainda bem que o dás. É que provavelmente não exprimi bem aquilo que pretendia dizer. Concordo contigo quando dizes que o "rumo" tem de ser encontrado dentro de nós. Ou seja, que não é nos livros que vamos aprender como lidar com as situações na prática. No entanto, acho que essas leituras são importantes, porque tornam-nos mais conscientes, pelo menos a mim. Sem elas acho que teria muito mais dúvidas do que tenho. Mas também aprendi que o perfeito não existe, que cada caso é um caso, que é natural ter dúvidas. Em suma, devemos juntar tudo e pensar pela nossa própria cabeça, prevalecendo o nosso bom senso.

Obrigada pelo contributo que tens dado sobre os assuntos aqui falados, pela capacidade de expressão das ideias.

Beijinhos e bom fim-de-semana

papu disse...

Kate, nem mais: é mesmo isso. E não tens de agradecer. Eu é que agradeço a tua contribuição para estas conversas :)