segunda-feira, setembro 25

Nem tudo são rosas!

Ora vamos lá então iniciar um novo tema de discussão: o lado mau (ou menos bom) da maternidade. Sim, porque isto de ser mãe, ou pai, como podem confirmar todos os protagonistas, não são só rosas!
Sempre que um novo bebé nasce, há outro que morre: o bebé imaginado. Este bebé vive na imaginação dos pais muito antes mesmo da gravidez acontecer, talvez a partir do momento em que se deseja um filho. O bebé imaginado vive na fantasia, no sonho dos pais. É um bebé idealizado. Durante a gravidez, esta idealização atinge o seu pico, e vai sendo desenhada através, também, do contacto com a realidade adivinhada: os movimentos na barriga, os pontapés, os soluços, as danças, enfim, toda a relação que se estabelece com o bebé no útero.
Não quer isto dizer que, antes do bebé nascer, os pais achem que vai correr tudo às mil maravilhas. É evidente que a maioria dos pais sabe que não é assim, e muitas vezes até se antecipam medos, receios, ansiedades, momentos de dúvida, de stress, de cansaço e mesmo de descontrolo. O que se passa é que, antes do bebé nascer, toda a realidade à volta da sua vinda e da vida que se terá depois do nascimento é imaginada. A diferença está entre viver as coisas e imaginá-las. Esta vivência na fantasia é muito importante, vai estruturar uma teia de laços afectivos entre os pais e aquele bebé, vai preparar os pais para o seu novo papel. Quando o bebé não é sonhado nem idealizado pelos pais alguma coisa se passa, e isso trará sem dúvida repercussões futuras no desenvolvimento e estabelecimento da relação afectiva entre os pais e o bebé.
Quando o bebé nasce, os pais são enfim confrontados com o bebé real. O bebé imaginário vai ter de se moldar, digamos assim, às características reais do bebé que nasceu. Este confronto nem sempre é pacífico, podendo tornar-se, por vezes, um processo difícil ou mesmo doloroso.
Todos os pais concordarão que aquilo que torna a maternidade e a paternidade uma experiência única, boa, maravilhosa é um conjunto vasto de experiências emocionais, tanto positivas como negativas. E, contrariamente ao que se possa pensar, as negativas não são em menor número nem menos intensas que as positivas. Então o que é que faz com que o ser pai e mãe seja, para a maioria das pessoas, uma experiência tão rica e tão gratificante? Precisamente, diria eu, esta capacidade de lidar com ambos os lados, o bom e o mau. E a consciência de que os erros, os momentos menos bons, aqueles que gostaríamos de apagar com uma borracha da nossa memória, são momentos importantíssmos de aprendizagem e de crescimento. Ser pai e mãe é uma aprendizagem constante. E não se aprende sem errar. E se, na matemática ou no português, o erro apenas nos dá uma má nota ou um risco a vermelho num exame, na vida o erro traz sofrimento. Às vezes muito sofrimento. Mas o sofrimento é uma experiência importante, assim como aprendermos a lidar com o nosso lado depressivo, triste, ansioso, dramático. Tudo isso faz parte de nós e ensina-nos a crescer. Ser pai ou mãe é, acima de tudo, um lento processo de crescimento. Que nos muda por dentro, que nos traz alegrias e tristezas, que nos amadurece. Não há nenhum pai ou mãe que olhe para trás e que seja igual ao que era antes dos filhos nascerem. Não acredito que haja.
Ser pai e mãe revela-nos e traz ao de cima aquilo que somos. De melhor e de pior. Aquilo que vivemos com os nossos filhos acorda muitas experiências passadas da nossa infância. E pode ser uma oportunidade de vivenciar e equilibrar conflitos passados. Ou não. Tudo depende da nossa capacidade de o fazer.
Ser mãe e ser pai abana a nossa estrutura. Exige-nos um esforço de adaptação emocional constante. Uma alteração de papéis e de expectativas radical. Uma disponibilidade para dar sem reservas. Para dar e para empatizar. As necessidades do nosso filho passam a ser as nossas prioridades principais. Necessidades de amor, de conforto, de contacto, de protecção, de alimento, no sentido físico e emocional. E isto independentemente das nossas próprias necessidades estarem satisfeitas ou não! Ser pai e mãe exige uma reformulação total das nossas prioridades emocionais, da nossa gestão afectiva. Deixamos de ser nós, apenas. Passamos a ser responsáveis por alguém que é completamente dependente, a todos os níveis, de nós. E isto pode trazer muita desorientação a alguém que encare este excesso de dependência de uma forma negativa.
É claro que medo, todos temos. Quem é que não teve receio de não ser capaz, de não aguentar, de que a exigência fosse demasiada? Quem é que não se lembra disso? Das noites de cansaço extremo, quando temos de acordar às vezes de hora a hora e ainda estar disponíveis para dar de mamar? Ou quando eles choram, choram, e não se calam, e andamos a dormir mal e parece que já não aguentamos, às vezes só nos dá vontade de, num acto de loucura, os atirar pela janela? Ou de lhes enfiar um calmente pela boca abaixo? Ou de lhes dar um safanão a ver se se calam? Quem é que nunca viveu momentos de desespero? Ninguém, acho. E não há que ter medo de dizer estas coisas horríveis, porque elas passam-nos pela cabeça, claro que passam. Não há que ter medo dos pensamentos. Os pensamentos não magoam ninguém. Os actos, sim. Mas a passagem ao acto é mais frequente naquelas pessoas que, precisamente, não têm tanta capacidade de pensar e de mentalizar.
O confronto com os sentimentos negativos é muito importante para nós, embora quase toda a gente (e eu também, como é evidente) se escuse de fazê-lo e o evite. É natural tentarmos evitar situações desagradáveis! Mas sem conflito não se cresce. É o mesmo que se passa com aqueles pais que evitam zangar-se. As crianças testam os limites a toda a hora, e o seu crescimento e desenvolvimento da autonomia levam-nas a ter necessidade de se opôr à nossa vontade. Não há como evitar o conflito! E quando estamos zangados, temos de fazer voz grossa e mostrar uma cara zangada, sim! Até porque se nos zangarmos mesmo é isso que fazemos! Ninguém se zanga com falinhas mansas nem com sorrisos.
Acho que esta é uma dificuldade bastante generalizada nas novas gerações de pais: ninguém quer fazer o papel da bruxa má, da madrasta detestável. Não queremos ser ríspidos e demasiado severos como o eram as gerações de pais do passado, não queremos talvez repetir o que vivemos na nossa infância. Não queremos que os nossos filhos nos olhem como uns tiranos. Mas isso é inevitável, claro que eles nos olham como uns tiranos, e até pior, quando nos zangamos com eles! O poder que nós temos para eles é tão imenso, tão inimaginável (mas se fizermos um esforço de memória conseguimos ter uma ideia...) que eles ficam aterrados! Vejam se me entendem: nós somos monstros ao pé deles, já repararam? Somos enormes, comparados com o tamanho deles. Tudo o que façamos, desde um sorriso, a uma gargalhada, a uma cara zangada, a um grito, vai ser gigante para eles. O que eles ouvem e o que eles vêem não é o que nós vemos, se nos víssemos ao espelho. O que eles vêem é uma montanha imensa, que eles adoram acima de tudo, que os abraça e envolve de calor, mas que vira um vulcão terrível a lançar lava quando se zanga, e um dragão de duas cabeças a lançar chispas pelos olhos quando os assusta. Não há nada a fazer, é assim. E às vezes temos de ser terríveis, sim, temos de gritar e deitar fogo pela boca. Para depois os abraçar e envolvê-los na certeza de que o nosso amor por eles é forte como uma rocha, mesmo quando nos saem aquelas baforadas pela boca. Aliás, o que de melhor podemos fazer por eles é ensiná-los a desembainhar a espada e vencer o terrível dragão, como o valente príncipe das histórias de encantar. E plantar neles uma mão-cheia daqueles beijos especiais, capazes de despertar sonos de 100 anos.

2 comentários:

papu disse...

Desculpem lá o testamento, entusiasmei-me! ;)
espero que isto suscite e não iniba a vossa vontade de opinar!

Kate disse...

Este post já não é novo mas só hoje resolvi dizer qualquer coisa...

Concordo quando a Papu diz que "Ser pai e mãe revela-nos e traz ao de cima aquilo que somos". Sinto isso em mim. Revela muito daquilo que somos capazes pelos outros. E isto inclui o fazer papel de mau, porque isso exige um grande esforço nosso, dá trabalho ser persistente e coerente.

Também acho que às novas gerações de pais lhes falta bastante o papel de mau. Acho esta questão do fazer o papel de mau muito importante porque, pela experiência que vou adquirindo com os meus filhos, de 2 e 4 anos, cada vez estou mais convencida de que estabelecer limites e pontos de referência é muito importante para a sua formação. E não digo isto só por ter visto escrito em algum lado, digo-o também por experiência própria. A mim parece-me que alguns pais não exercem este papel de maus por duas razões. Ou porque dá trabalho ou então porque acham que as crianças não devem ser contrariadas, por isso lhes poder produzir algum tipo de trauma. Ou então a mistura destas duas. Eu não sou muito entendida nestas coisas porque não faz parte da minha formação, mas pelo que vou lendo, daquilo que me vai aparecendo pela frente sobre o assunto, o que estrutura e dá referências a uma criança são os limites e regras que lhes vão sendo impostos ao longo da vida, claro que acompanhado de muita compreensão para com eles e de lhes fazer sentir que estamos lá, junto deles para os apoiar, mesmo quando erram. Não é necessário nem desejável que sejamos uns tiranos, isso até poderia ter o efeito inverso.

O que me parece é que a maior parte dos pais não lê absolutamente nada sobre estas coisas. É que a intuição só não chega, apesar de ser muito importante. E ler alguma coisa não significa ter de ler os manuais todos sobre criancinhas de fio a pavio, eu pelo menos não o fiz. Basta ir lendo umas coisas de vez em quando, de preferência antes de sermos pais, para dar tempo das ideias se irem solidificando. Pelo menos foi o que aconteceu comigo e achei isso muito importante, porque me deu mais tranquilidade (se é que isso é possível!).

Mas, apesar de tudo o que disse, também já me mentalizei de que não sou perfeita e que eles se vão apercebendo que eu e o pai também cometemos erros. Tentamos ser correctos, agir da melhor forma, mas às vezes não dá. Também temos os nossos pontos fracos e por isso também erramos. O essencial é manter um rumo mais ou menos afinado. E, às vezes, também temos que saber pedir-lhes desculpa. Mas não fará isto parte da vida? Provavelmente vai ensinar-lhes também que não são perfeitos e que pedir desculpa está incluído nos nosso deveres e pode ser uma grande qualidade.